CADÊ SOPHIA?

Estava caminhando pela rua, por volta das 12 horas, quando ares despretensiosos e improváveis sacudiam as bananeiras do Distrito de Roma. O retorno às aulas do segundo semestre, após um curto período de férias, batia intempestivamente num destino traçado por uma lacuna ininteligível. Seus pensamentos de menina sorridente, sonhadora e saltitante, com passinhos compassados e voltinhas nas mechas do cabelo embelezaram as últimas imagens registradas pelos espectros robôs de um cenário investigativo: onde está Sophia?

De um curto trajeto entre a rua onde morava e aquela onde foi vista, passou-se à obsessão por sua procura numa área de aproximadamente mil e quinhentos hectares. Sua presença se confundia com a nulidade de sua localização no espaço geográfico onde de fato deveria estar perante qualquer suspeita. Antes do cenário cinematográfico com cães farejadores, bombeiros civis e militares, policiais, helicópteros, repórteres, mobilização de moradores, ela só queria brincar. Que mal há em deixar uma criança viver a sua infância de maneira saudável num mundo que deveria ser só dela? Não há resignação nisto: o mal está à espreita da inocência, escondido à luz do entardecer, onde inesperadamente atrai para si a sua vítima, e ninguém sabe, ninguém viu, ninguém ouviu: cadê Sophia?

Nas primeiras semanas de seu desaparecimento, os noticiários incansáveis explodiam de audiência, a qual ditava os rumos das matérias; os telefonemas para as autoridades multiplicavam-se em pistas, palpites, enredos inescrupulosos, que confundiam as buscas e as linhas de investigação. Enquanto isso, uma casa desmoronava-se em desalento pela hora em que a menina Sophia deveria regressar, porém até agora ecoa pelos cantos uma voz materna desesperada: – Oh, meu Deus, cadê a minha menina?

“Está num povoado da zona rural”. Fake. “Está na casa do vizinho”! Não estava. “Pode ter entrado no açude”! Os mergulhadores não encontraram vestígios. “Pode estar ao fundo, vamos reduzir o volume de água”! Nada. “Foi vista entrando numa casa”. Não era ela. “E aquela pousada”? Que pousada? “Tem uma cova no quarto de uma casa abandonada em área de difícil acesso”. Era de uma “botija”. Ninguém sabe de Ana Sophia?  

À medida que o tempo passa, também dispersa as pessoas, os jornalistas, os cães, a atenção dos curiosos, e o vento desfaz o cenário, que vai voltando àquela impressão de normalidade, em que a esperteza de uma criança pode cair na cilada de um mundo que não foi projetado para ela. E neste momento, de que adiantou a invenção do helicóptero, as câmeras de monitoramento, a máquina de Alexander Graham Bell, se o homem ainda não foi capaz de solucionar a maldade que há dentro de si mesmo?  

Diante da incontornável ausência da criança, da falta que ela faz na sua casa-escola-comunidade, da ansiosa busca pelo desfecho dessa história, o que custa, àquele (a) que se acusa de dia e de noite e se alimenta do pão de sua própria transgressão, aliviar a tensão insuportável e libertar-se do peso da consciência, revelando onde está Sophia?

Observação: Este texto foi escrito no dia 30 de julho de 2023, como forma de expressar a preocupação com o caso da menina Ana Sophia, do Distrito de Roma, Bananeiras -PB. A conclusão oficial do inquérito se deu no dia 02 de maio de 2024. No quarto parágrafo deste texto, a hipótese levantada após análise de imagens de câmeras – “foi vista entrando numa casa”, num primeiro momento, foi refutada, porém, posteriormente, confirmada. Tiago Fontes Silva da Rocha matou Ana Sophia e ocultou seu corpo. Dois meses depois, cometeu suicídio por enforcamento. Este é o desfecho da investigação sobre o “caso Ana Sophia”, com a conclusão oficial do Inquérito Policial que investigou o crime.

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