PARADISUM ET INFERNUM

Por Laura Nayane A. Diniz, 2º A

Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão”. Gênesis 1:26
Sabe, tu, que os homens procuram em Deus aquilo que neles habita; e assim fizera Micael. Crescera em família cristã, daquelas bem fervorosas em sua fé. Quando criança, orava pelos membros de sua família, principalmente quando enfermos; e estes recebiam suas orações com grande confiança, acreditando que logo viria a cura. Ia à igreja todos os domingos, acompanhado da família; não tinha sequer o direito de escolher ficar em casa. Quando no templo, ele cantava, recitava versículos, conversava com outros fiéis… Seria um grande pastor, diziam.
Tudo decorria bem, até Micael chegar aos 14 anos. Foi no ano em que completara esta idade que conheceu algo denominado Goécia – nome para práticas mágicas que são vistas como não naturais, proibidas ou diabólicas – através de um livro que um amigo seu o emprestara. Meteu-se a ler, e em pouco tempo encontrava-se fascinado.
Também, a partir deste momento, não somente por ter tido contato com outra mitologia, senão a cristã, começou a sentir-se insatisfeito com a obrigação de ter que ir à igreja. Ficava calado em seu banco, com um olhar observador e, ao mesmo tempo, melancólico; apenas ouvindo e nada absorvendo do discurso de seu pastor. Também por uma questão de autoconhecimento, sentia-se desconfortável com as ideias de devoção, pecado e castigo. “Se o inferno realmente existe, eu já estou condenado”; pensava. Sua mente era repleta de pensamentos confusos, violentos, e, principalmente, libidinosos. Tentou fugir desta sina diversas vezes, todas em vão. Era um verdadeiro herege.
Voltemos à Goécia. Micael leu e releu o tal livro várias vezes, tentando decorar os nomes e os poderes mágicos de cada daimon ali descrito. Pobre criança… Começou a pensar na possibilidade de um dia evocar algum deles. Quem dera fosse algo tão fácil. Faz-se oportuno enfatizar que Micael tinha dificuldades de concentração, e esta piorava quando ele lidava com coisas muito complexas; estava sempre desistindo do que outrora se dispunha a aprender. Passado pouco tempo de estudo sobre este sistema mágico, abandonou-o.
Após a leitura, o menino devolvera o livro que havia pego emprestado – livro este que fora lido às escondidas, pois “ai dele” se a família descobrisse que as palavras do diabo faziam-se presentes naquela casa! – apesar de ter abandonado este estudo específico, Micael queria aprender sobre outras coisas. Na verdade, viu-se genuinamente impulsionado a isso. Não conseguindo alguém que o
emprestasse um livro de seu interesse – até mesmo o amigo que o emprestara antes, pois ele não tinha mais livros como aquele – começou a frequentar a biblioteca pública de sua cidade, a fim de realizar novas descobertas.
Resumamos a história, pois esta é deveras longa. Tudo que precisam saber é que Micael conheceu diversas religiões e sistemas filosóficos, e que todos exerceram extrema importância em seu desenvolvimento pessoal. Decerto que algumas coisas chamam mais a nossa atenção do que outras, resguardou em si um interesse genuíno pelo ocultismo. Desejava ser um ocultista famoso e reverenciado, como fora Eliphas, Papus e Blavatsky. Começou a aprofundar-se em assuntos como hermetismo, alquimia, magia e todos os outros frutos da árvore esotérica. Nesta altura, já saíra da igreja.
Era 1930, Micael já tinha 17 anos e seguia a filosofia budista, dividindo-a com a hindu. Ó, quantas maravilhas estas religiões – ou filosofias, como preferirem – o trouxeram! Depois de ter transitado entre tantas outras, nunca firmando-se em nenhuma, sentia que, finalmente, havia encontrado o seu caminho, ou melhor, o caminho divino! Pôs-se a queimar incensos, a entoar mantras, meditar, refletir mais sobre a vida e muitas outras dádivas. Sonhava em alcançar o estado de Buda e adentrar o nirvana; imaginava-se conquistando tal iluminação, como se ela viesse na forma de um clarão que invade a mente e separa a alma do corpo.
Permaneceu assim, quase como um monge, por cerca de três meses. Não demorou muito; a sua mente conturbada o tirou de seu sossego. Sentia-se incapaz de prosseguir vivendo daquela forma. Era difícil ser como Buda. Na verdade, tudo o mais sempre parecera difícil para aquele jovem. Nunca acreditou na própria capacidade; era inconstante e imprevisível. Parecia-lhe que o diabo sempre levava todo o seu esforço embora consigo; mas fato é que Micael também era, deveras, apressado. Era apenas um menino; ainda estava longe de dominar todas as teorias que os ocultistas, os quais ele admirava, dominaram, mas havia de ter muito tempo pela frente.

No entanto, apesar de tamanha precocidade, via-se tomado pelo desejo de descobrir e entender todos os mistérios do mundo. Este era o seu maior mal. Cansou-se mais uma vez, e nisto deixou de concluir mais uma etapa de sua vida. Não soubera apenas conhecer; queria sempre aplicar o conhecimento que adquirira. Foi então que, quase subitamente, lembrou-se de quando estudara sobre a cabala judaica e os anjos cabalísticos.
“Vou evocar um anjo… É isso! Necessito de auxílio divino. Tenho sede de aprender e sinto que nunca aprendo nada. Penso que sou incapaz de compreender, mas outros, antes de mim, foram capazes; então por que não posso alcançar tal feito? Todas as coisas que busco são intrínsecas a mim! Constituem a minha natureza, o meu eu verdadeiro. O mistério me fascina como uma mulher nua em um vestido diáfano o faria. Ou melhor, o mistério é para mim esta tal mulher! Ela entoa meu nome no meio da noite e não me deixa descansar. Pede-me que eu rasgue suas vestes e conheça o que há de mais recôndito em seu ser… Vou evocar um anjo, ele há de me ajudar!”
Adivinhem? Sim, ele também desistira desta ideia. E, mais uma vez, viu-se frustrado com a sua incapacidade. Era homem de momento; passeava feito um cão perdido no labirinto de sua própria mente. Mas, desta vez, a desistência veio após uma crise. Chorou como um recém nascido que sente fome. Cansou-se de tanto procurar. Aliás, que era que ele procurava mesmo? O que pretendia encontrar? Para quê? Não soube ele próprio responder.
Amaldiçoou a Deus, e afirmou diversas vezes para si mesmo – quase que desesperadamente – que este não existia; nada do que ele buscara existia. Era tudo um sonho, um devaneio, um delírio… Mentiras! Os livros mentem! As pessoas mentem! Como podem acreditar em algo que nunca viram? Se Deus existe, como pode desamparar aqueles que nele creem? Por que nunca ofertar sequer um único sinal?
Não pôde mais descansar. A frustração era tamanha que se assemelhava a uma corda envolta ao pescoço. Quão sufocante era a dor de quem tinha sede de respostas e ficou sozinho com as próprias perguntas. Sua fé fora apagada, juntamente àquela sensação afável de não se estar sozinho; tudo se tornou em nada, e o dia virou noite escura e solitária. Sozinho, com seu próprio vazio, disse em voz alta para si mesmo:
“Eu sou o criador e o destruidor do meu mundo, sou meu Deus e meu Diabo, sou minha bênção e o meu pecado, e não há nada nem ninguém que me governe. O certo e o errado são questões de perspectivas – que eu seja livre para fazer o que desejo! Céu e inferno não passam de ideias ilusórias para controlar as pobres almas perdidas deste mundo. Quando eu morrer, meu destino será o mesmo que o de todos os meus irmãos, e as larvas comerão a minha carne podre debaixo da terra. Rasguem o véu de Ísis, não há mistério a ser desvelado!”
FIM

Chamo-me Laura Nayane. Atualmente, tenho 17 anos e resido na cidade onde nasci, em Guarabira (PB). Estou cursando o 2° ano do ensino médio, na escola Zenóbio Toscano, onde frequentemente participo de projetos enriquecedores que exploram as habilidades e o conhecimento dos alunos. Pretendo ingressar na faculdade de Psicologia após concluir o 3° ano. Sou fascinada por música, arte, livros, poesia e esoterismo. Minhas preferências literárias envolvem o campo da psicologia e das suas vertentes, do ocultismo, e, recentemente, os clássicos da literatura mundial. Na literatura, autores como Edgar Allan Poe, Augusto dos Anjos e Machado de Assis têm um lugar especial em meu coração.

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